Ou: Manual provisório do homem recém-só e intencionalmente irrecuperável
Sou um homem que atravessou três décadas de vida afetiva sem intervalos comerciais. Um relacionamento que começou em 1996 e terminou em 2014. Outro que começou em 2012 e terminou oficialmente em 8 de julho de 2025. Sim, houve sobreposição. Não, não vou explicar.
A verdade é que, pela primeira vez desde 1993, quando Itamar Franco ainda sorria e os celulares pesavam o mesmo que uma jaca, estou absolutamente só. Não “sozinho esperando alguém”. Só. Sem preâmbulo, sem rodapé, sem intenção. E, mais importante: sem projeto de mudança.
A questão não é sentimental, nem dramática. É topológica. Eu não estou ferido, apenas estou fora do mapa.
I. A solidão ritualizada (com guardanapo de pano)
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Um vinho decantado só para você, numa terça à noite.
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Um jantar lento, com mise en place, mesmo que seja para uma única boca (a sua).
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Um disco inteiro, ouvido no escuro, sem distrações, como se fosse uma missa laica. (Sim, leitorada, "disco" mesmo, ainda que no Spotify, Deezer, streaming, o lo que sea. Sou declaradamente antigo).
A solidão, quando ritualizada, vira território. E território se habita, não se decora com flores artificiais denominadas "expectativa amorosa".
II. Escrever como quem faz uma autopsia (e não à espera de um milagre)
“Hoje, não senti falta de dividir o sofá.”“Não precisei negociar onde almoçar no domingo.”“Não precisei justificar meu silêncio. Aleluia.”
Transforme isso num inventário. Você vai descobrir que boa parte da “companhia” era negociação, barulho, redundância. A ausência, nesse caso, é música ambiente, um belo Muzak.
III. Abster-se não é falência — é decisão editorial
Eu olho para a idéia de “relacionamento” com o mesmo entusiasmo de um day trader que virou monge budista e olha para as cotações da B3, Dow Jones, NASDAQ e quejandos: pode até ser útil para os outros, mas ele não se vê mais ali.
E, sinceramente, isso não é triste, e sim libertador. É como parar de tentar ser fluente num idioma que nunca fez sentido.
IV. Sexo? Talvez. Amor? Só em condições atmosféricas experimentais
Somos dois mamÃferos adultos dividindo calor. E isso basta.
V. Crie um figurino para sua nova fase
Você não precisa se reinventar. Mas pode se estilizar.
Crie uma estética. Uma playlist para os dias bons. Um figurino para as noites de "entrega narcisista". Um perfume que diga “sou meu próprio date”. Isso não é vaidade — é identidade pós-romântica.
Vista-se como quem foi salvo de um naufrágio e agora bebe uÃsque em paz no litoral.
VI. Fuja dos "bons samaritanos"
VII. Evite responder à s carÃcias disfarçadas de preocupação
Sempre aparece alguém com um comentário meigo e envenenado:
“Mas você tem tanto a oferecer...”“Você diz isso agora, mas o amor acontece quando menos se espera.”“Nossa... que pena, alguém vai perder um homão desses.”
VIII. E se um dia mudar de idéia?
Pode ser. Mas será exceção, não projeto.
Para encerrar...
Este não é um texto de lamento nem de provocação. É pura e simples constatação: depois de três décadas de amor, apego, partilha, tentativa e tropeço, estou só. E mais do que isso: estou inteiro.