O Brasil é um país tão criativo que, se deixar, a gente inventa até verbo novo por osmose. Esta semana, por exemplo, decidi que ia acompanhar as manchetes esportivas com a calma de um monge tibetano. Não durou três segundos.
A manchete do UOL diz:
"Neymar avalia ‘sacrifício’, mas deve perder reta final do Brasileiro.”
Perder.
Reta final.
Assim, sem dó, sem massagem, sem dicionário.
O redator, iluminado pelo espírito santo do anglicismo, achou que podia traduzir to miss como "perder" em qualquer contexto — mesmo quando o português olha pra isso com o mesmo espanto de quem encontra um pato tentando latir.
Porque, vamos combinar: ninguém “perde” a reta final do campeonato. Não é carteira, não é ônibus, não é final olímpica, não é ingresso do show. Reta final não é objeto portátil. O Neymar não acordou, olhou pro calendário e disse: “Pô, cadê minha reta final? Tava aqui ontem…”.
O que a frase queria dizer, com a pureza de uma flor de plástico, era:
Neymar deve ficar fora da reta final.
Ou ainda:
deve desfalcar o time, não deve jogar, vai estar ausente.
Soluções todas muito bem comportadas, de procedência honesta e criadas sem depender do sistema financeiro lingüístico de outro país. Mas claro, o atalho do inglês brilha como sirene de polícia: to miss the final stretch. E o redator pensa: “Ah, tá fácil: perder”.
É assim que nasce o que eu chamo carinhosamente de anglicismo zumbi — aquele que anda, tropeça, invade a língua e deixa todo mundo desconfortável com seu cheiro de tradução automática. Não agrega, não melhora, não afina o texto. Só existe. Como um fantasma que arrasta correntes pela redação.
E o mais bonito é que, com isso, Neymar agora corre o risco de “perder” a reta final do Brasileiro da mesma forma que você pode “perder” uma pizza no micro-ondas: não faz sentido, mas tá escrito, então passa.
A imprensa brasileira tem essa vocação poética de transformar decalque em manchete, manchete em hábito e hábito em “novo português”. E amanhã a gente lê: “Jogador perde primeiro turno”,
“Técnico perde seqüência de jogos”,
até que um dia alguém “perde o campeonato inteiro” só porque estava no departamento médico tomando Gatorade.
No fim das contas, quem perdeu mesmo foi o português. E perdeu feio. Sem VAR. Sem recurso. Sem súmula.
Mas tudo bem: domingo tem rodada, segunda tem manchete, e terça tem mais um verbo sendo seqüestrado pelo bilingüismo apressado da nossa imprensa.
E eu estarei aqui, firme, com meu binóculo lingüístico, procurando onde foi parar a coerência — porque, pelo visto, essa sim o pessoal perdeu mesmo.