11/26/2025

A Crise Que Virou Montanha-Russa Sem Trilho


Se tem uma coisa que me diverte — e me desespera, mas com aquele desespero gostoso de quem joga dominó num velório — é o entusiasmo da imprensa nacional em praticar arapucas linguísticas como se fossem esporte olímpico. Hoje, por exemplo, descobri que crises no Brasil agora são escaláveis. Não no sentido de ficarem maiores, veja bem, mas no sentido literal de você poder escalar a danada, como quem sobe o Pico do Jaraguá com uma garrafinha d’água e a dignidade nas mãos.

A manchete da vez do UOL diz, rufem os tambores desafinados:


“Motta e Alcolumbre escalam crise e não vão à cerimônia de sanção do IR.”

Escalam.

Crise.

É disso que eu tô falando.

Nenhuma corda, nenhum mosquetão, nenhum guia alpino. Só a boa e velha preguiça intelectual que faz o redator olhar para o inglês to escalate e pensar: “Puxa, é bonito, vou usar”. O problema é que, no português, o verbo não significa isso. No português, “escalar a crise” parece mais “tentar subir nela”, o que, convenhamos, é uma imagem excelente para a política brasileira: um bando de gente tentando se agarrar a uma parede lisa, escorregadia, e ainda batendo no peito como se fosse natural.

Mas erro é erro, mesmo quando sai no jornal — aliás, principalmente quando sai no jornal. É por isso que eu digo: o decalque é a mula-sem-cabeça do texto. Não serve pra montar, não serve pra puxar, não sabe nem pra onde vai. Só aparece pra assustar a língua e deixar rastros de ferrugem sintática.

Em vez de “escalar”, tínhamos opções honestas, de pedigree, domésticas, criadas com ração nacional e sem influência do dólar: “agravam”, “acentuam”, “ampliam”, “esticam a corda” — mas não, o redator preferiu o inglês requentado, enfiado no microondas da pressa.

E assim seguimos, tropeçando em manchetes cada vez mais bilíngües, cada vez mais semânticas de aplicativo, cada vez mais com cara de quem estudou meia página de gramática e achou que era poliglota. A língua, coitada, só observa do canto, com aquele olhar de tia velha que sabe que vai sobrar pra ela limpar a bagunça.

No fim das contas, Motta e Alcolumbre não escalaram crise nenhuma. Quem escalou — e escorregou — foi o próprio UOL. E caiu feio.

Mas tudo bem. Amanhã tem outra manchete. E outra corda bamba. E outro redator se achando alpinista sem ter aprendido a amarrar o cadarço.

Porque, no Brasil, até a crise é climbable. Ou quase.

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