– O velho Edmundo era o melhor cozinheiro da cidade. Digo, cozinheiro de comida árabe. Era argelino, o cara, e falava francês com um sotaque esquisitíssimo. Tinha sido grumete de navio grego, que fazia uma rota no Mediterrâneo. Antes disso, tinha sido artista de circo como homem-bala e fazendo dobraduras com barras de aço. Era um sujeito versátil.
– E a comida?
– O cara tinha aprendido a cozinhar em alto-mar. O pessoal que ele servia estava interessado em duas coisas: gordura e volume. E se não estivesse bom, ele apanhava. Dois anos navegando por aí, o cara aportou no Rio de Janeiro e fugiu. Foi pro Paraná e arrumou um emprego como vendedor de calcinha.
– Hein?!
– É, o cara ia nos puteiros vender lingerie barata. Foi aí que ele conheceu o amor da vida dele. Era uma puta que ele simplesmente elegeu como a coisa mais maravilhosa da face da terra. E EMPRENHOU a puta! Ela nem estava muito a fim dele, tanto que saiu do Paraná e foi pro Rio Grande do Sul, levando a filha, e se escondeu no interior do Estado.
– E daí?
– Daí que ele deu um jeito de encontrar a vadia, viveu um tempo com ela, suficiente para fazer mais duas filhas, e depois não teve chance: se separaram, ele ficou com as três filhas, a mulher foi pro Paraguai, e ele foi pra Porto Alegre, onde montou um restaurante.
– E como era esse restaurante?
– Não era um restaurante aberto ao público. Ficava numa esquina esquecida, perto do centro da cidade. Para entrar ali, era preciso ser indicado por outro freqüentador do recinto.
– Como um clube fechado?
– Exatamente. Como a memória do velho Edmundo estava meio prejudicada, havia uma senha. Era o nome artístico do velho no tempo em que ele cantava ópera: “Grilli”. Era só chegar na janela e gritar: “E aí, Grilli, esse quibe sai ou não sai?”
– Mas e a comida, porra?
– O melhor quibe cru que eu já comi na minha vida. Tudo era bom lá. Só tinha alguns problemas: a comida levava umas duas horas pra ficar pronta, tinha uma maldita tevê preto-e-branco ligada a TODO VOLUME em cima do balcão, e as baratas andavam por tudo.