8/25/2025

O restaurante do velho Edmundo

 – O velho Edmundo era o melhor cozinheiro da cidade. Digo, cozinheiro de comida árabe. Era argelino, o cara, e falava francês com um sotaque esquisitíssimo. Tinha sido grumete de navio grego, que fazia uma rota no Mediterrâneo. Antes disso, tinha sido artista de circo como homem-bala e fazendo dobraduras com barras de aço. Era um sujeito versátil.

– E a comida?

– O cara tinha aprendido a cozinhar em alto-mar. O pessoal que ele servia estava interessado em duas coisas: gordura e volume. E se não estivesse bom, ele apanhava. Dois anos navegando por aí, o cara aportou no Rio de Janeiro e fugiu. Foi pro Paraná e arrumou um emprego como vendedor de calcinha.

– Hein?!

– É, o cara ia nos puteiros vender lingerie barata. Foi aí que ele conheceu o amor da vida dele. Era uma puta que ele simplesmente elegeu como a coisa mais maravilhosa da face da terra. E EMPRENHOU a puta! Ela nem estava muito a fim dele, tanto que saiu do Paraná e foi pro Rio Grande do Sul, levando a filha, e se escondeu no interior do Estado.

– E daí?

– Daí que ele deu um jeito de encontrar a vadia, viveu um tempo com ela, suficiente para fazer mais duas filhas, e depois não teve chance: se separaram, ele ficou com as três filhas, a mulher foi pro Paraguai, e ele foi pra Porto Alegre, onde montou um restaurante.

– E como era esse restaurante?

– Não era um restaurante aberto ao público. Ficava numa esquina esquecida, perto do centro da cidade. Para entrar ali, era preciso ser indicado por outro freqüentador do recinto.

– Como um clube fechado?

– Exatamente. Como a memória do velho Edmundo estava meio prejudicada, havia uma senha. Era o nome artístico do velho no tempo em que ele cantava ópera: “Grilli”. Era só chegar na janela e gritar: “E aí, Grilli, esse quibe sai ou não sai?”

– Mas e a comida, porra?

– O melhor quibe cru que eu já comi na minha vida. Tudo era bom lá. Só tinha alguns problemas: a comida levava umas duas horas pra ficar pronta, tinha uma maldita tevê preto-e-branco ligada a TODO VOLUME em cima do balcão, e as baratas andavam por tudo.

Aqui se come (1) - Kapusniak

A distante Polônia apresenta uma culinária saborosa, rústica e robusta. É comida feita por e para camponeses que dão duro o dia inteiro. Como em todo país frio, tem várias versões de sopas e ensopados. A czernina, por exemplo, é uma espécie de pato ao molho pardo (ensopado no próprio sangue), acompanhado de batata-doce e talharim caseiro. Se você comer um prato desta sopa - deliciosa, por sinal -, saboreando um excelente vinho tinto, pode ficar trancado num freezer por dois dias sem problema. Claro que é politicamente incorreto sugerir que você compre um pato vivo e corte precisamente a jugular da ave e aguarde, pacientemente, que todo o sangue escorra para dentro de uma panela - enquanto o bicho esperneia. Nós somos pessoas civilizadas, não é mesmo?

Ao invés disso, vou contar como se faz uma excelente sopa de repolho, a kapuśniak.

Comece colocando uma meia-garrafa de vodca Wyborowa no congelador, de um dia para o outro. Na manhã seguinte, abra a vodca e sirva uma generosa dose em um copo pequeno. Beba tudo de uma vez. Tem gente que bota pimenta branca moída dentro do copo, para dar um punch a mais. Eu já experimentei e recomendo.

Pegue duas batatas-doces, descasque, pique e coloque numa panela de pressão com água. Dê pressão nas batatas por uns 20 minutos, até que desmanchem. Enquanto isso, sirva-se de mais uma dose de Wyborowa. Veja como, pouco a pouco, a vida começa a parecer mais agradável. Um salaminho com limão cairia bem agora...

Bem, abra a panela de pressão (estou presumindo que você SAIBA como abrir uma panela de pressão). As batatas sumiram e se transformaram em um caldo espesso. Este caldo será a base da sopa. Agora entram em cena as costelinhas de porco defumadas. Corte-as em pedaços e jogue neste caldo. Adicione bacon. Neste momento, é hora de temperar. Cuidado com o sal, pois as costelinhas e o bacon já são salgados.

Depois disso, meta pressão de novo. É um bom momento para tomar mais uma dose de vodca. Devido à grande quantidade de álcool, a vodca jamais congela - em aparelhos domésticos, claro. A temperatura de congelamento do álcool é mais ou menos 37 graus negativos. Porém, se você mergulhar uma garrafa de vodca em nitrogênio líquido, ela congela, sim senhor. Mas perceba como, após passar a noite no congelador, ela adquire uma consistência oleosa e desce que é uma beleza.

Depois de mais 20 minutos, abra a panela. Está quase pronto. Acrescente repolho em fatias finíssimas e cozinhe, sem tampar, por pouco tempo, até que ele fique só um pouco macio mas sem amolecer muito. Apague o fogo.

Neste momento, procure um vinho decente na despensa. De preferência, um Cabernet Sauvignon. Abra a garrafa e beba uma taça, estalando a língua. Olhe pela janela da cozinha e respire fundo. Pense em como a felicidade realmente às vezes está nas pequenas coisas. Não que devamos desprezar as grandes coisas. Tudo tem sua hora.

Esta sopa perde muito do seu sabor se não for consumida com vinagre branco. Funciona assim: encha um prato fundo com o caldo espesso, as costelinhas e o repolho. Pegue a colher, encha com o vinagre e despeje sobre a sopa. Repita a operação quantas vezes quiser, misturando bem o vinagre no caldo e experimentando o gosto. Depois, saboreie a kapuśniak. Beba um bom gole de vinho e grite em polonês sem sotaque: "Na zdrowie"!