8/04/2025

Resenha Crítica – “Claire.exe”, de Lady Sacerdotisa


Se Philip K. Dick e Virginia Woolf tivessem tomado chá juntos num café pós-pandemia de Los Angeles – digamos, o Café Solaris na Hillhurst, com aqueles croissants amanteigados – talvez sonhassem algo como Claire.exe. Mas foi a Lady Sacerdotisa, essa autora novata da plataforma Inkspired (que, confesso, só descobri tardiamente por indicação da excelente Aria Zênite - @rainhadoimortal, no Threads), quem realmente trouxe essa jóia à vida. E olha, mereceu cada voto que lhe fez conquistar a medalha de prata no desafio “A Pintora” da plataforma. Não só pela inventividade, mas pela coragem emocional que raramente veio em ficções científicas desde que li Arrival pela décima vez.

A Máquina de Sentir (e como ela me fez chorar no metrô)

Claire.exe é sobre memórias que vazam – sabe aquelas que grudam na pele feito chiclete no asfalto? Não a memória RAM do seu notebook, mas a coisa woolfiana mesmo: confusa, cheia de buracos e dolorida feito cotovelo ralado. Claire, nossa gênia adolescente com pavor de sentimentos, tenta curar uma dor de amor com... pintura? Sim! E aqui a Sacerdotisa me fisgou: a garota acidentalmente recria o ex-namorado Matthew como um tamagochi emocional dentro de uma simulação neural. O troço devia ser uma fuga, mas vira um espelho torto daqueles de parque de diversões – distorce tudo, mas não te deixa mentir pra você mesma. Genial.

Pintura = Código? Até Monet viraria programador

A sacada mais doida: pintar virou programar sentimentos. Pinceladas viram linhas de código cheias de if/else emocionais. Tipo Monet fazendo backend em Java após três espressos. A autora evita o cyberpunk clichê (nada de neon e chuva ácida, graças a Deus) pra focar na dor real de uma adolescente tentando debugar o próprio coração.

Ah, e o ROXO! Nunca pensei que uma cor me daria arrepios literários. Aqui, roxo é resistência, raiva e cura – um símbolo tão bem costurado que eu sugeriria ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP fazer um seminário só sobre isso.

Matthew: O Ex-Namorado que Virou Vírus

Aqui a Sacerdotisa estraçalha a gente: Matthew começa como príncipe encantado (olhos verdes! ombros largos!), mas logo vira um parasita emocional controlador. A virada não é só narrativa – é um soco no estômago. A autora expõe como a gente programa fantasias tóxicas pra justificar feridas. Brutal.

Metadroid: Meu robô favorito (e possível crush ficcional)

Ironia das grandes: o andróide Metadroid é o ser mais humano da história. Enquanto humanos mentem, ele fica ali: paciente, leal, consertando placas com dedos de aço. A cena final dele com Claire na oficina suja? Perfeição. Não há cura tecnológica pra luto, só prosa suja de quem refaz a vida peça por peça.

Estilo: preciso, mas com alma

A escrita da Sacerdotisa tem a exatidão de um relógio suíço e a bagunça calorosa de um ateliê. Senti ecos de Clarice Lispector (aquela angústia existencial), mas com um ritmo de TikTok filosófico – rápido, visual, sem pieguice. Os diálogos da Claire adolescente soam reais, sem cair no drama de novela das 6.

Único senão: tanta camada, tão pouco fôlego?

Confesso: em alguns trechos, senti que o conto quase engasga na própria genialidade. Tanta idéia brilhante (memória! código! arte! luto!) num espaço curto me deixou exausto. Queria uma versão estendida – nem que fosse só pra ver o Metadroid fazendo mais piadas secas.

Conclusão: Conto para ler e reler compulsivamente

Claire.exe é daquelas raridades que cutucam sua ferida existencial com um ferro de soldar. Fala de solidão digital, arte como analgésico, e como um coração partido pode ser remendado com pincéis e Python. No fim, Claire descobre que companhia de verdade não vem de ex-namorados pixelados, mas daquilo que você monta na garagem da vida.

Lady Sacerdotisa não só foi pódio num desafio: criou um manual de sobrevivência emocional para a nossa era. É para usar em aulas de Escrita Criativa.

Nota pessoal: 9,3 (mas arredondaria pra 9,5 porque o Metadroid me conquistou)

Indicação: Leitura obrigatória pra quem já tentou curar dor de amor com Netflix e algoritmos. Spoiler: só arte + código-fonte salvam.

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