4/15/2025

Divagar, Mussacarino!

Mussacarino, o ponto a que chegaste. As mãos enxutas, no ato mesmo de pingar en nada. Aos dois, num tiro só, enquanto é tempo. Seguindo ainda em vida, pois já é necessário, e muito. Olha, não esquece: o saco, a pua, o rasto, a dor que mora n'alma, e, enfim, aquilo. Aquilo que te já foi precioso outrora. Procura, agora, Mussacarino. Teu tempo é escasso. Se a cor é brique, se o pulmão resiste, se o pulsar demora, se a partida empata, se a partida é antes da chegada, só resta um passo em falso. Conta de novo, tenta subtrair o que não podes, esconde o gesto e segue em frente, pois o simples ato de morrer tem seus dilemas.

A cor de meus poemas, diademas. Judas sabia que era um traidor ou inventou a traição naquele momento? Cristo sabia que era um vero mártir ou foi condenado apenas por não pagar a ceia? E aí, então, casou-se com a dialética? Ah, sim, não disse tudo -- o húmus prolifera, a bandeira estandarda, o pai é pai da pátria, a mãe é celibata, e, apoiando tudo, volutas de fumaça.

Foi então que eu saí. Saí porque chovia dentro. Voltando, escondi minha angústia por trás da cortina. Volta. Volta. Mas não volta, Mussacarino. Algo terrível te espera.

Depois, houve um soluço breve e o luminoso astro-rei caiu de quatro. Contei os dedos da mão -- eram doze. È preciso operar, aritmética. Na festa da cidade, houve um Palmeiras x Corinthians entre São Paulo e Santos. Venceu o tricolor mais auriverde. E se não estou enganado, então me equivoco a respeito do erro. Pois a esbórnia de ontem é a revolução em marcha. Aponto a minha arma, grito "fogo" e disparo a correr. Aponto o indicador, grito "socorro" e, sem pensar, só corro. Pois havendo os que passam, há os que ficam.

Eu, na minha volta, sou um eterno ausente, pois vou. Se saio da fantasia, e não estando, desejo que a queda do avião te seja leve e breve.

(noite de 21 de julho de 1988, aos 17 anos, datilografado em minha intimorata máquina de escrever Remington 25)

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