10/16/2025

Sexo e Farofa

Eu sempre acreditei que o destino tivesse senso de humor, mas não imaginava que fosse do tipo sacana. Daqueles que te colocam num supermercado às 23h47 de uma terça-feira para comprar duas coisas que, juntas, denunciam imediatamente uma pessoa: camisinha e farofa.

Não era nem a farofa de marca séria, aquela com orgulho de raiz e sódio suficiente para empalhar um javali. Era farofa temperada. Com bacon artificial. O que me transformava oficialmente no tipo de homem que perdeu o rumo da própria vida — e nem percebeu.

Eu podia explicar. Juro que podia. A camisinha era óbvia — prevenção, civilidade, pacto honesto com a Organização Mundial de Não Arranjar Filhos e Doenças. Mas a farofa… ah, a farofa tinha história. Tinha promessa. Tinha saliva. Porque nada diz mais sexo real do que a fome que sobra depois. E alguém, algumas horas antes, tinha sussurrado no meu ouvido:

— Depois eu quero farofa. Daquela bem porca.

E aí, meu amigo, quando alguém fala isso no teu ouvido com a boca quente de vontade, você aceita. Você aceita qualquer coisa. Você atravessa a cidade, abandona princípios morais, trai sua lombar, esquece a dignidade no porta-luvas. Vai. Faz. Compra. Farofa. Acontece.

Foi assim que eu parei no Extra da Ricardo Jafet às 23h47, iluminado por neon cansado, cercado por gente que já tinha desistido do amanhã. Carrinhos rangendo como lamentos existenciais. O inferno tem ar-condicionado e fica aberto até meia-noite.

Aí ela apareceu.

Jeans preto. Camiseta branca. Cabelo preso num coque bagunçado que parecia de propósito. Um tipo de beleza simples, perigosa, dessas que não pedem atenção — pegam. Corpo direto ao ponto: fome, curiosidade e algo na postura que dizia eu sei entrar e sair de histórias sem me queimar.

Ela empurrava o carrinho com quatro itens essenciais da vida adulta suspeita:
— vinho barato,
— papel higiênico folha dupla,
— leite condensado,
— e um pacote de pão de forma, como quem declara ao mundo: “não tenho mais ilusões”.

Ela olhou pra mim. Depois para minha mão. Depois para o que eu carregava. E sorriu — o sorriso clínico de quem diagnostica alguém sem piedade.

— História interessante aí, hein.

— Longa demais pra contar — respondi. — Mas posso garantir que envolve moralidade duvidosa, sódio e escolhas erradas.

Ela se aproximou. De perto, tinha olhos que falavam dialetos antigos de luxúria funcional. Gente que já viveu. Gente que não perde tempo com frescura emocional.

— Histórias longas são as melhores. Dá pra resumir?

— Em três frases.

— Manda.

— Promessa carnal. Falta de planejamento. Farofa.

Ela arqueou a sobrancelha.

— Isso não são três frases. Isso é um convite.

Foi ali, entre sacos de carvão e promoção de salsicha, que percebi: o universo às vezes abre portais. Pequenos portais lubrificados.

— E você? — perguntei. — Vai levar leite condensado pra quê?

— Eu não explico nada depois das onze da noite — ela disse. — Mas posso mostrar.

Fudeu. Eu estava dentro. Não havia mais retorno possível. Desejo não tem freio ABS.

Ela se aproximou mais. Perigoso perto. Um cheiro limpo de banho recente misturado com pele quente e intenção. Falou baixo:

— Você cozinha?

— Faço o básico.

— Ótimo. Eu transo o básico. A gente combina.

Eu ri. Ela não.

E foi assim que o Extra virou prelúdio, o caixa automático virou cúmplice e a madrugada se abriu como perna impaciente.

Mais tarde, no chão da cozinha dela — azulejo frio, boca quente, mãos erradas nos lugares certos — descobri duas verdades absolutas:

1. Tesão é logística.

2. Farofa não é acompanhamento — é destino.

****

Ela mordeu meu lábio como quem assina contrato e disse no meu ouvido:

— Joga a farofa. Eu quero suja. Quero indecente. Quero desgraça.

E eu fiz. Porque há pedidos que vêm de regiões da alma onde Deus não fiscaliza.

Depois, suados, ofegantes e vivos de verdade pela primeira vez na semana, dividimos a mesma colher direto do saco. Ela, nua, mastigando farofa como pornografia antropológica, virou pra mim e disse:

— Isso não foi sexo casual. Isso foi nutrição.

Algumas pessoas acreditam no poder do amor. Outras, no destino.

Eu? Eu acredito no Extra da Ricardo Jafet.

Porque depois daquela noite aprendi: sexo passa; farofa fica.


Continua.
A vida é suja e deliciosa.

Série SEXO E FAROFA
(uma ode à carne, ao caos e à lucidez brasileira)

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